quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Com a palavra, quem sabe...

Este texto é uma crónica do livro "Luto pela felicidade dos portugueses" de Rui Zink...

Espero queo autor não se importe muito, mas em finais de 2008 vale a pena ver este texto sobre a universidade para termos um melhor 2009 como tertulianos académicos que somos, e para si, caro leitor, que pode aproveitar um boa leitura:

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Um curso “superior” é assim designado porque vem a seguir ao “secundário” e muito depois do “primário”. As palavras nunca são inocentes, se há uma coisa que aprendi no curso “superior” que tirei foi que as palavras dizem sempre mais do que aquilo que dizem. Estas, por exemplo, invertem a realidade evidente: que o primário não é primário mas sim primeiro, principal, e que os professores do “primário” deviam ser pagos a peso de ouro, porque um bom professor primeiro vale ouro. Os estudos “superiores” são na verdade, estudos terciários.

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José Cardoso Pires publicou em 1971 uma pequena obra-prima, a meias com o desenhador João Abel Manta, onde satirizava o reino de Portugal no tempo de Salazar. Dizia ele que isto era o país dos dê erres para aqui, dê erres para acoli, uma desgraça. E ainda hoje é assim.

Tomara nós termos tantos médicos quantas pessoas são chamadas de doutor que, aliás, socialmente, mais do que a ver com a substância, resulta de efeitos externos como a gravata, a marca dos sapatos, o vinco das calças e a dignidade do porte. Diz-se “doutor” em Portugal como no Brasil se dizia “coronel”: um cargo honorário que demasiadas vezes mais parece relevar do código hierárquico da máfia do que propriamente da nobre arte de queimar as pestanas a fim de ver para além do nariz.

A meu ver, um curso na faculdade serve essencialmente para três coisas : aprender uma especialidade técnica, adquirir um saber global numa área de estudos, e por fim, treinar a capacidade de raciocínio, de sistematização, o gosto e a curiosidade pela ordem invisível do mundo.

Um curso na faculdade tem outras vantagens. Podem fazer-se amigos interessantes, porque há muita gente reunida num só espaço onde, apesar de tudo, a oferta de bens espirituais é bem maior do que a habitual perto de casa. Uma biblioteca com muitos livros e um horário flexível, professores das mais variadas disciplinas, conferências, exposições, debates. Mesmo que chova na sala ou o tecto caia, numa universidade continuam a ser grandes, para quem os quiser consumir, estímulos intelectuais.

Infelizmente, a comunidade acadêmica é não só rica em variedade como confusa em objectivos. Muitos estudantes só anos mais tarde, quando já estão no mercado de carne, perdão, no mercado de trabalho, se dão conta de como desperdiçaram as oportunidade que lhes foram oferecidas. Isso não invalida que um curso universitário, mesmo quando ele não tem “saídas profissionais”, não seja um dos maiores privilégios que é alguma vez dado a um jovem. E a universidade não deve ir atrás desse logro, o das “saídas profissionais”, porque faz parte da sua essência resistir às modas, e a sociedade que ontem pedia cursos de gestão hoje coloca gestores no desemprego.

Um aluno que saiba tirar proveito do seu curso aplicará o que aprendeu mesmo que vá trabalhar em algo que, à partida, nada a ver com esse curso que tirou. Durante alguns anos confrontou-se com estratégias de lidar com a realidade e, sim, é provável que resulte também um cidadão melhor.

Mas não por causa de ser um dê erre. Apenas porque aprendeu, estudou, trabalhou. É evidente que poderia aprender o mesmo, ou até mais, sobre a vida se passasse esses quantos anos num veleiro a dar a volta ao mundo. Mas quantos de nós temos coragem ou meios para dar a volta ao mundo num veleiro?

Além disso, a universidade ainda é, apesar de todos os cortes orçamentais, mais palpável e acolhedor do que uma tempestade no Atlântico.

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Sem mais... : )
Cumprimentos,
F. Varandas

1 comentário:

Unknown disse...

1a perspectiva intrexante